Empresa é condenada por obrigar trabalhador a andar em brasas em “treinamento motivacional”
A
Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho negou provimento a um
agravo com o qual a Distribuidora de Medicamentos Santa Cruz Ltda.
pretendia se isentar da condenação de indenizar em R$ 50 mil um
trabalhador que foi obrigado a andar com os pés descalços num corredor
de carvão em brasas durante "treinamentos motivacionais". O caso causou
espanto entre os ministros na sessão desta quarta-feira. O presidente da
Turma, ministro Lelio Bentes Corrêa, se disse "chocado e estarrecido".
"Em 12 anos de TST, nunca vi nada parecido", afirmou.
O
trabalhador disse que foi obrigado, junto com outros colegas, a
caminhar em um corredor de dez metros de carvão incandescente durante um
evento motivacional da empresa. Alegou, ao pedir a indenização, que a
participação no treinamento comprometeu não só sua saúde, mas a
integridade física de todos que participaram da atividade.
A
empresa confirmou que realizou o treinamento com a caminhada sobre
brasas. Entretanto, disse que a atividade foi promovida por empresa
especializada, e que a participação não foi obrigatória. Uma das
testemunhas destacou que todos, inclusive trabalhadores deficientes
físicos, tiveram que participar do treinamento e que alguns tiveram
queimaduras nos pés.
Segundo
a distribuidora, o procedimento não teve a "conotação dramática"
narrada pelo trabalhador, e ocorreu em clima de descontração e alegria,
sem nenhum incidente desagradável ou vexatório. Lembrou ainda que o
treinamento foi realizado dois anos antes da reclamação trabalhista e
que, assim, não seria cabível condenação por dano moral, uma vez que, na
época, o trabalhador não falou nada e continuou a trabalhar para a
empresa.
Ranking e fotos comparativas
Ocupante
do cargo de supervisor de vendas, o trabalhador também alegou que todo
mês a empresa submetia os supervisores a um ranking de vendas, em
campanha intitulada "Grande Prêmio Promoções", onde o primeiro colocado
tirava uma foto ao lado de uma réplica de Ferrari, e o pior colocado ao
lado de um Fusca. As fotos eram afixadas no mural da empresa e enviadas
por e-mail para todos da equipe. O funcionário com pior desempenho
também era obrigado a dançar músicas constrangedoras na frente de todos,
como "Eguinha Pocotó".
A empresa negou as alegações, mas depoimentos testemunhais comprovaram a exposição.
Condenação
O
juiz de origem entendeu que a empresa ultrapassou todos os limites do
bom senso, por expor o empregado ao ridículo e à chacota perante os
demais colegas. "Ato repugnante, vergonhoso e humilhante e que beira ao
absurdo, sendo, por óbvio, passível de indenização por dano moral,"
destacou. A empresa foi condenada a pagar R$ 50 mil a título de dano
moral, sendo R$ 10 mil em decorrência das humilhações sofridas nas
campanhas e R$ 40 mil pela caminhada sobre o carvão em brasas.
A
distribuidora de medicamentos recorreu da decisão, mas o Tribunal
Regional da 3ª Região (MG) manteve a condenação e negou o seguimento do
recurso de revista.
TST
Em
agravo de instrumento na tentativa de trazer o recurso ao TST, a
empresa alegou que trabalhador não comprovou o dano sofrido e insistiu
na tese de que o "treinamento motivacional de vendas e liderança"
ocorreu dois anos antes do ajuizamento da ação. O pagamento de
"prendas", segundo a empresa, era feito apenas por aquele que ficasse em
pior colocação, e a entrega de carrinhos Ferrari ou Fusca representava
"uma espécie de classificação nos resultados das vendas". Outro
argumento é que a caminhada sobre a passarela com carvão em brasa não
era obrigatória e não causou qualquer queimadura ou comprometimento da
saúde e integridade física do trabalhador.
O
relator do processo, ministro Walmir Oliveira da Costa (foto), destacou
que a empresa pretendeu reabrir o debate em torno da comprovação do
dano por meio de provas, o que é inviável de acordo com a Súmula 126 do
TST. Além disso, o relator destacou que "não se pode conceber, em pleno
século XXI, que o empregador submeta o empregado a situações que remetam
às trevas medievais". O fato de o treinamento motivacional apresentar
ao participante a possibilidade de caminhar por corredor de dez metros
de carvão em brasa "é o bastante para constatar o desprezo do empregador
pela dignidade humana do empregado".
O
ministro destacou ainda que o acórdão do TRT deixou evidenciado o fato
ofensivo e o nexo de causalidade, ou seja, sua relação com o trabalho.
Para ele, o dano moral é consequência da conduta antijurídica da
empresa.
Durante
o julgamento, na última quarta-feira (24), o ministro Lelio Bentes foi
enfático ao condenar a conduta empresarial. "Fiquei chocado com a
situação", afirmou. "É de se estarrecer que em pleno século XXI nos
deparemos com condutas tão aviltantes e que demonstram tanta
insensibilidade por parte do empregador."
O caso também foi encaminhado ao Ministério Público do Trabalho para as devidas providências.
(Taciana Giesel/CF)
Processo: AIRR-92041-60.2008.5.03.0013