STF admite execução da pena após condenação em segunda instância
Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)
entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP)* não impede o
início da execução da pena após condenação em segunda instância e
indeferiu liminares pleiteadas nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44.
O Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), autores das ações, pediam a concessão da
medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os
acórdãos prolatados em segunda instância. Alegaram que o julgamento do
Habeas Corpus (HC) 126292, em fevereiro deste ano, no qual o STF
entendeu possível a execução provisória da pena, vem gerando grande
controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da
presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de
todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma
série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283
do CPP”.
O caso começou a ser analisado pelo Plenário em 1º de setembro,
quando o relator das duas ações, ministro Marco Aurélio, votou no
sentido da constitucionalidade do artigo 283, concedendo a cautelar
pleiteada. Contudo, com a retomada do julgamento na sessão desta
quarta-feira (5), prevaleceu o entendimento de que a norma não veda o
início do cumprimento da pena após esgotadas as instâncias ordinárias.
Ministro Edson Fachin
Primeiro a votar na sessão de hoje, o ministro Edson Fachin abriu
divergência em relação ao relator e votou pelo indeferimento da medida
cautelar, dando ao artigo 283 do CPP interpretação conforme a
Constituição que afaste aquela segundo a qual a norma impediria o início
da execução da pena quando esgotadas as instâncias ordinárias. Ele
defendeu que o início da execução criminal é coerente com a Constituição
Federal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo
quando for conferido efeito suspensivo a eventual recurso a cortes
superiores.
Fachin destacou que a Constituição não tem a finalidade de outorgar
uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o
réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual
às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de uniformizadores da
interpretação das normas constitucionais e do direito
infraconstitucional. Segundo ele, retomar o entendimento anterior ao
julgamento do HC 126292 não é a solução adequada e não se coaduna com as
competências atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por
fim, afastou o argumento de irretroatividade do entendimento
jurisprudencial prejudicial ao réu, entendendo que tais regras se
aplicam apenas às leis penais, mas não à jurisprudência.
Leia a íntegra do voto do ministro Edson Fachin
Ministro Roberto Barroso
Seguindo a divergência, o ministro defendeu a legitimidade da
execução provisória após decisão de segundo grau e antes do trânsito em
julgado para garantir a efetividade do direito penal e dos bens
jurídicos por ele tutelados. No seu entendimento, a presunção de
inocência é princípio, e não regra, e pode, nessa condição, ser
ponderada com outros princípios e valores constitucionais que têm a
mesma estatura. “A Constituição Federal abriga valores contrapostos, que
entram em tensão, como o direito à liberdade e a pretensão punitiva do
estado”, afirmou. “A presunção da inocência é ponderada e ponderável em
outros valores, como a efetividade do sistema penal, instrumento que
protege a vida das pessoas para que não sejam mortas, a integridade das
pessoas para que não sejam agredidas, seu patrimônio para que não sejam
roubadas”.
Barroso contextualizou a discussão citando exemplos para demonstrar
que o entendimento anterior do STF sobre a matéria não era garantista,
“mas grosseiramente injusto”, e produziu consequências “extremamente
negativas e constatáveis a olho nu”. Entre elas, incentivou à
interposição sucessiva de recursos para postergar o trânsito em julgado,
acentuou a seletividade do sistema penal e agravou o descrédito da
sociedade em relação ao sistema de justiça – o que, a seu ver, contribui
para aumentar a criminalidade.
Ministro Teori Zavascki
Ao acompanhar a divergência, o ministro Teori Zavascki reafirmou
entendimento já manifestado no julgamento do HC 126292, de sua
relatoria, afirmando que o princípio da presunção da inocência não
impede o cumprimento da pena. Teori ressaltou que esta era a
jurisprudência do Supremo até 2009.
“A dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de
processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no
sistema criminal do país”, afirmou. Se de um lado a presunção da
inocência e as demais garantias devem proporcionar meios para que o
acusado possa exercer seu direito de defesa, de outro elas não podem
esvaziar o sentido público de justiça. “O processo penal deve ser
minimamente capaz de garantir a sua finalidade última de pacificação
social”, afirmou.
Outro argumento citado pelo ministro foi o de que o julgamento da
apelação encerra o exame de fatos e provas. “É ali que se concretiza, em
seu sentido genuíno, o duplo grau de jurisdição”, ressaltou.
Leia a íntegra do voto do ministro Teori Zavascki.
Ministra Rosa Weber
A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator, entendendo que o
artigo 283 do CPP espelha o disposto nos incisos LVII e LXI do artigo 5º
da Constituição Federal, que tratam justamente dos direitos e garantias
individuais. “Não posso me afastar da clareza do texto constitucional”,
afirmou.
Para Rosa Weber, a Constituição Federal vincula claramente o
princípio da não culpabilidade ou da presunção de inocência a uma
condenação transitada em julgado. “Não vejo como se possa chegar a uma
interpretação diversa”, concluiu.
Ministro Luiz Fux
O ministro seguiu a divergência, observando que tanto o STJ como o
STF admitem a possiblidade de suspensão de ofício, em habeas corpus, de
condenações em situações excepcionais, havendo, assim, forma de controle
sobre as condenações em segunda instância que contrariem a lei ou a
Constituição.
Segundo seu entendimento, o constituinte não teve intenção de impedir
a prisão após a condenação em segundo grau na redação do inciso LVII do
artigo 5º da Constituição. “Se o quisesse, o teria feito no inciso LXI,
que trata das hipóteses de prisão”, afirmou. O ministro ressaltou ainda
a necessidade de se dar efetividade à Justiça. “Estamos tão preocupados
com o direito fundamental do acusado que nos esquecemos do direito
fundamental da sociedade, que tem a prerrogativa de ver aplicada sua
ordem penal”, concluiu.
Ministro Dias Toffoli
O ministro acompanhou parcialmente o voto do relator, acolhendo sua
posição subsidiária, no sentido de que a execução da pena fica suspensa
com a pendência de recurso especial ao STJ, mas não de recurso
extraordinário ao STF. Para fundamentar sua posição, sustentou que a
instituição do requisito de repercussão geral dificultou a admissão do
recurso extraordinário em matéria penal, que tende a tratar de tema de
natureza individual e não de natureza geral – ao contrário do recurso
especial, que abrange situações mais comuns de conflito de entendimento
entre tribunais.
Segundo Toffoli, a Constituição Federal exige que haja a certeza da
culpa para fim de aplicação da pena, e não só sua probabilidade, e
qualquer abuso do poder de recorrer pode ser coibido pelos tribunais
superiores. Para isso, cita entendimento adotado pelo STF que admite a
baixa imediata dos autos independentemente da publicação do julgado, a
fim de evitar a prescrição ou obstar tentativa de protelar o trânsito em
julgado e a execução da pena.
Leia a íntegra do voto do ministro Dias Toffoli
Ministro Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski ressaltou que o artigo 5º, inciso LVII
da Constituição Federal é muito claro quando estabelece que a presunção
de inocência permanece até trânsito em julgado. “Não vejo como fazer
uma interpretação contrária a esse dispositivo tão taxativo”, afirmou.
Para ele, a presunção de inocência e a necessidade de motivação da
decisão para enviar um cidadão à prisão são motivos suficientes para
deferir a medida cautelar e declarar a constitucionalidade integral do
artigo do 283 do CPP. Assim, ele acompanhou integralmente o relator,
ministro Marco Aurélio.
Ministro Gilmar Mendes
Gilmar Mendes votou com a divergência, avaliando que a execução da
pena com decisão de segundo grau não deve ser considerada como violadora
do princípio da presunção de inocência. Ele ressaltou que, no caso de
se constatar abuso na decisão condenatória, os tribunais disporão de
meios para sustar a execução antecipada, e a defesa dispõe de
instrumentos como o habeas corpus e o recurso extraordinário com pedido
de efeito suspensivo.
Ele ressaltou que o sistema estabelece um progressivo enfraquecimento da
ideia da presunção de inocência com o prosseguimento do processo
criminal. “Há diferença entre investigado, denunciado, condenado e
condenado em segundo grau”, afirmou. Segundo Gilmar Mendes, países
extremamente rígidos e respeitosos com os direitos fundamentais aceitam a
ideia da prisão com decisão de segundo grau.
Ministro Celso de Mello
Seu voto, que acompanhou o do relator, foi enfático ao defender a
incompatibilidade da execução provisória da pena com o direito
fundamental do réu de ser presumido inocente, garantido pela
Constituição Federal e pela lei penal. Segundo o ministro, a presunção
de inocência é conquista histórica dos cidadãos na luta contra a
opressão do Estado e tem prevalecido ao longo da história nas sociedades
civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à
dignidade da pessoa humana.
Para o decano do STF, a posição da maioria da Corte no sentido de
rever sua jurisprudência fixada em 2009 “reflete preocupante inflexão
hermenêutica de índole regressista no plano sensível dos direitos e
garantias individuais, retardando o avanço de uma agenda judiciária
concretizadora das liberdades fundamentais”. “Que se reforme o sistema
processual, que se confira mais racionalidade ao modelo recursal, mas
sem golpear um dos direitos fundamentais a que fazem jus os cidadãos de
uma república”, afirmou.
Leia a íntegra do voto do ministro Celso de Mello
Ministra Cármen Lúcia
A presidente do STF negou o pedido de cautelar nos pedidos. Ela
relembrou, em seu voto, posicionamento proferido em 2010 sobre o mesmo
tema, quando acentuou que, quando a Constituição Federal estabelece que
ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, não
exclui a possibilidade de ter início a execução da pena – posição na
linha de outros julgados do STF.
Para a presidente, uma vez havendo apreciação de provas e duas
condenações, a prisão do condenado não tem aparência de arbítrio. Se de
um lado há a presunção de inocência, do outro há a necessidade de
preservação do sistema e de sua confiabilidade, que é a base das
instituições democráticas. “A comunidade quer uma resposta, e quer
obtê-la com uma duração razoável do processo”.
* Art. 283. Ninguém poderá ser
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença
condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
(Redação/AD, CR)
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